AO ALMENDARES 1
Este rio de nome musical
chega a meu coração por um caminho
de artérias mornas e tremor de diástoles...
Ele não tem horizontes de Amazonas
nem mistério de Nilos, mas talvez
nenhum o vença na limpeza do céu
na fineza de seu pé e em seu talhe.
Salta na terra azul... Com as estrelas
pastando nas campas da Noite...
Que verde luz de cocuyos* rasga!
Que ondular de canaviais!
Ou sob a sol fofo das sestas,
sonolento entre os delicados juncos,
lambe nos jacintos das margens
e coalha em caldo de aura...
Um vôo de melros acesos
traça esse doce nome de Almendares!
Sua cor, entre pálida e morena.
—Cor das mulheres tropicais...
Seu rumo entre leve e lânguido...
Rumo de pássaro livre no ar.
Bebe-o ao campo o sol da madrugada,
cinge-o à cidade o braço de amante.
Como se ergue espiral de ventos
do ciclone cubano!... Como se dobra
sob a curva das Pontes Grandes!...
Eu não direi qual é a mão que o arranca de mim,
nem em que pedra de meu peito nasce:
Eu não direi que seja ele o mais formoso...
Mas é meu rio, meu país, meu sangue!
Dulce María Loynaz de Castillo
Tradução de Alai Garcia Diniz e Luizete Guimarães Barros
1 N. do T. Almendares: rio que cruza a cidade de Havana.
2 N. do T. cocuyos: especie de pirilampo.